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UM TEXTO CURATORIAL (ou, para você, Caminitzer)

Começo adiantando que toda exposição convoca – ou pelo menos deveria – a uma discussão ética sobre poder. Das muitas maneiras que existem de se produzir uma exposição, o elemento mais interessante, talvez, seja como os trabalhos são articulados no intuito de comunicar algo ao espectador. Ou melhor, como o artista, curador, instituição, articula aquilo que o trabalho busca comover para ser endereçado a uma situação que possa convidar o público a especular junto da obra sobre determinada proposição ou acontecimento. Veja que escolho a palavra especular, não sem propósito. Podendo a arte ser o lugar do dissenso ou, pelo menos, o espaço no qual situações que são impensáveis ou incompatíveis em outras metodologias podem encontrar possibilidade para serem experimentadas, o quanto aquilo que está em uma exposição se volta a propor/provocar perguntas ou a apresentar respostas para quem a adentra. A partir dessas escolhas, delineiam-se algumas dinâmicas de poder, entre elas, a possibilidade do espaço expositivo ser “um espaço que ensina” ou ser “um espaço em que se aprende junto”. E essa possibilidade de ser um espaço de ensinança e/ou de aprendizagem não é no sentido utilitário da educação ou da arte, mas no sentido de dar a ver que, quando posicionamos um trabalho de arte no espaço, uma territorialidade se ergue e, junto dela, alternância de papéis, contextos e (ou não) negociações entre artista-obra-espectador.

Desdobramento dos quase dois meses do programa de residência realizada no Edifício Vera, esta exposição é fruto de uma intensa negociação entre espaço, diferentes percursos e partilhas, guiada pela necessidade de pensar relações de convivência e coletividade. Se a princípio esse desejo de negociação tinha como norte a aplicabilidade dessas relações no espaço urbano, ao longo do processo fez-se notável a urgência de, antes de direcionar-se para fora, voltar-se para instâncias menores de coletividade, realocando a questão “o que é o estar junto” para “como estar junto”. Isso porque negociar, diferente da ideia de colaborar, não parte de um interesse comum entre as partes envolvidas na negociação, mas da necessidade de reconhecimento e escuta mútuo, na tentativa de equacionar os diferentes interesses dos participantes para que algo aconteça. Nesse sentido, não existe uma fórmula de como uma negociação pode se dar (mesmo que as escolas de Negócio digam o contrário), sendo ela uma ação que parte do campo do sensível. É coisa que se aprende no fazer, reconhecendo a própria disponibilidade ao outro, ora com certa previsibilidade, ora agindo com e pela interferência do acaso. O estar junto, aqui, deu-se então por via das próprias pesquisas artísticas que foram sendo desenvolvidas, usando do espaço da residência e dos procedimentos de cada artista e seus diferentes desejos enquanto um modo de partilha e motivo para reunir-se e conviver. A cidade, neste caso, reafirmou-se enquanto matéria bruta de afetos e espaço de trânsito capaz de prover situações e materialidades, deslocadas para esse lugar do estar junto da residência e indicando-nos, talvez, que no fim, não há espaço dentro ou espaço fora, mas a busca de permeabilidades entre um contexto, os nossos endereçamentos e a capacidade de engajá-los como uma ponte entre o “eu” e o tecido compartilhado do mundo.

Apostando, então, em uma visão de arte que não está preocupada em propor uma ordem para as coisas, mas na possibilidade de um espaço expositivo que é antes um espaço de alquimia – no qual se vai descobrindo novos encantamentos de acordo com sua recomposição, (des)leitura, seus usos e cada elemento que dele participa –, o que apresentamos aqui são os exercícios de comunicação, ou melhor, os exercícios de negociação que se expressam nas relações internas de cada obra, assim como em suas disposições e vizinhanças, atravessadas por uma curadoria que foi pensada por todas as mãos, olhos e ouvidos daqueles que dela estão participando. Dos emaranhados afetivos às marcas de passagem e coleções que foram sendo formadas no espaço, a relação de estabilidade discursiva desmancha porque o que une a todos os trabalhos, no fim, não é necessariamente um lugar comum das pesquisas, um consenso temático, mas os encontros que se deram para além das obras aqui expostas. Se por um lado esse exercício todo


foi uma maneira de se apropriar e entender uma forma de comunicar-se com o público – primeiro com o desenvolvimento do trabalho, depois em grupo – , por outro lado, as conexões estabelecidas pelo espectador são capazes de devolver a essa proposta caminhos e relações que, talvez, não se dessem não fosse a partilha para um coletivo, agora, ainda maior. A opacidade, a lacuna, a incerteza e a convocação, não por acaso, são elementos presentes em todos os trabalhos dessa exposição, afinal, é uma exposição que habita a seriedade despreocupada de um processo de investigação. Manter a abertura para a dúvida – fugir da falácia colonial do pensamento que tudo categoriza, tudo domina – é, antes de uma escolha, um convite para maravilhar-se e especular junto sobreos afetos mobilizados pela proposição desse espaço.




Paloma Durante

(Norte, perto do grau zero longitudinal, no avesso do inverno)


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