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Ícones Brasileiros, Paulo Gallina

O que cria um ícone? Um ícone é um ato simbólico manifesto na realidade. É um significado compartilhado por todo um conjunto da população respirando [abaixo d]o céu. Renato Gosling, em sua série de fotomontagens Ícones brasileiros (2020), parte destes significados compartilhados capazes de atravessar toda a população de seu país para refletir sobre como os sujeitos unem-se em um povo ou nação. Fiando- se no fato de que o mundo é uno, o artista explora esses elementos capazes de congregar as gentes para além da mediação feita pelo dinheiro, acumulo ou cobiça humanos.

 

Da brasa que dão nome à nação, Renato Gosling busca o fogo – que é a gente a povoar cada rincão ou vereda brasileira. E os hábitos dessa gente tão diversa distribuída por uma nação continental que é o Brasil, incorporam hábitos, repetições, gestos cotidianos e invisíveis na repetição dos dias sempre abaixo de um mesmo Sol e sempre exposto à uma luz diferente. São santas, matas, caixas de palitos de fósforos ou sandálias representando os hábitos dessa gente, por vezes sofrida, que se nega a deixar de sorrir. A pesquisa plástica que constrói essa série de impressões é, potencialmente, infinita. O que implica que a série de obras seguirá o exemplo do povo brasileiro, discorrendo sobre cada peculiaridade e cada potencial de um povo tão diverso e especial quanto se pode ser.

 

Para este ensaio, escolheu-se a leitura, a título de exemplo, da fagulha que deu origem a pesquisa, um ícone de consumo internacionalmente reconhecido como nacional: os chinelos havaianas trabalhados pelo artista plástico em fotomontagem. Essas imagens, foram as primeiras dentro da série ícones brasileiros, sendo exemplares nas discussões desenvolvidas a seguir dentro da série de impressões.

Nas imagens de Renato Gosling, o chinelo está suspenso. Pisando sobre o chão e o céu, como se os pés que se depositariam sobre a sandália estivessem para o alto, descansados. Talvez esta escolha se dê porque o coletivo humano não tem pés, ainda que cada indivíduo tenha os seus para trilhar seu caminho. E quem é que guia os caminhos de uma nação se não seus cidadãos coletivamente? Por mais gentis e cordiais que seja o povo brasileiro, esta não é uma nação sem seus conflitos. E, ainda assim, o povo canta e dança alegremente a cada carnaval ou festa típica de região ou época do ano: um estado apaziguado em constante revolução.

Ou melhor: samba de bolso.

 

De suspender os chinelos insinuando pés para o alto.Nas sandálias contrapostas à paisagem, o artista encontra um índice que dá voz ao conjunto [ou seria à somatória?] das gentes. Os chinelos, assim, servem como disparador da pesquisa plástica do artista paulistano que, a seguir avançará por tantos outros ícones cada vez mais afastando-se da dimensão do consumo e aproximando-se da construção dos hábitos populares ou peculiares das gentes que são as labaredas das terras Brasis. Ainda assim, a marca popular encontrada em todos os pés das favelas às mansões, é um disparador capaz de espelhar de maneira icônica como as gentes usam-se de contrafortes simbólicos mediando os corpos e o toque do mundo.

 

Então, resta a pergunta: por que eleger ícones enquanto elemento central desta série de trabalhos? Particularmente ícones nacionais e regionais não excludentes entre si.

 

Porque ninguém pensa apenas por palavras. A comunicação se faz através dos vocábulos, mas o pensamento não se limita a eles. Assim, o pensamento que era o cheiro de um chinelo – novo ou gasto – pode ser tomado por sua descrição. Mas ícones, particularmente os eleitos pelo artista paulistano, superam o jogo de espelhos entre os sentidos e as palavras que os representam.

 

Ultrapassando o limite circunscrito entre o signo e seu significado, Renato Gosling escolhe ícones que unificam toda a gente. Olhando para objetos para além do seu valor de consumo, o artista rememora ao público, de maneira singela e direta, que um chinelo não se limita a ser um aparato entre o corpo e o chão irregular. Este utensilio é também a lembrança de um momento intimo, familiar, em que a vaidade age muito pouco graças à memória do conforto de se estar presente em qualquer cena que o sujeito se colocou em.

 

Renato, em sua série de fotomontagens Ícones brasileiros, recordar-nos com suas imagens e na eleição desses símbolos, a doçura dos momentos seguros e também da insistência desses pequenos instantes alegres que atravessam a vida de tempos em tempos sem serem esperados e inescapavelmente encontrados.

 

Em oposição a estarem fincadas nela. Porque o par de chinelos está contraposto à imagem da paisagem, ao invés de estar apoiado no chão. ​

Crítico de arte e curador independente, Paulo Gallina é bacharel em História pela Universidade de São Paulo (USP). Participou do Grupo de Estudos de Crítica e Curadoria da ECA-USP orientado pelo professor doutor Domingos Tadeu Chiarelli (2009-2012) durante sua formação.

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